Depois de um nem tão longo nem tão tenebroso inverno, não pude resistir a dar pitaco num assunto que eu gosto, e muito, porque mistura de volta no mesmo buraco de onde saíram a física, a matemática e a filosofia. E, aproveitando uma sexta
As definições de exatidão e precisão estão ligeiramente imprecisas
. Estão faltando alguns conceitos. A ilustração do alvo é excelente, mas apenas uma ilustração, hehe.
Os passos para se tomar uma medida, seja em que grandeza for (comprimento, massa, temperatura, etc.), faz-se uma comparação do objeto sob medida, através de um instrumento, operado por alguém, com um padrão de medida conhecido e determinado e, finalmente, a leitura e interpretação da medida obtida. Essas etapas estão sujeitas a erros, que se acumulam ao longo do processo e não necessariamente são dependentes entre si, resultando numa medida que só será exatamente o valor verdadeiro por mero acaso. Ficou confuso? Sinto muito, é meio confuso mesmo, e por isso, filosófico. Essa é a graça.
Tem um parâmetro importantíssimo que foi só citado até agora, mas que é, penso eu, o mais fundamental numa medida: a incerteza desta medida.
Vamos imaginar o seguinte: um operador treinado mede, com uma escala de boa qualidade, graduada em milímetros, o comprimento de uma chapa e observa algo entre 13 e 14 mm. Aí ele pensa: "não é 13 nem 14, então fica 13,5" e tasca 13,5 mm como sendo o comprimento verdadeiro da peça. A rigor, não dá pra dizer que ele esteja certo nem errado. A medida É incerta e carrega um erro amarrado consigo. Um segundo operador, mais pretencioso que o primeiro, com os mesmos instrumentos mede a peça e acha por bem dizer que ela tem 13,35 mm, e explica que chegou a esse valor "sub-dividindo visualmente" a escala em centésimos de milímetro. Este sim está errado! Explico:
A incerteza em uma medida é, convencionalmente, a metade da menor divisão, para instrumentos de medição visual direta (escalas, relógios, nônios, etc.) e a própria menor divisão, para instrumentos de medição indireta (mostradores digitais, podendo o instrumento ser mecânico ou eletrônico). Assim, se o primeiro operador diz que obteve uma medida de 13,5 mm, como o instrumento usado tem uma incerteza de ±0,5 mm, uma terceira pessoa que toma conhecimento da medida de 13,5 mm já tem noção imediata da diferença entre o comprimento verdadeiro da peça e se pode ou não utilizá-la numa determinada aplicação, já que a peça mede, na pior das hipóteses, 13,5 ± 0,5 mm. Mas, se esse mesmo sujeito pega a medida de 13,35 mm, vai pensar que o segundo operador usou um instrumento de maior precisão (opa!), e pensar que a peça tem comprimento de 13,35 ±0,05 mm.
Como a aplicação do terceiro sujeito é razoavelmente crítica, ele pega a peça e mede seu comprimento com um paquímetro, com nônio de divisão de 0,01 mm. E descobre um comprimento de 13,625 ± 0,005 mm. Ele pode afirmar então que, apesar de uma menor precisão, a medida de 13,5 mm é exata, enquanto que a medida de 13,35 mm tem maior precisão, mas está absolutamente errada, logo inexata.
Se fôssemos tomar a coisa ao pé da letra, toda medida deve vir acompanhada de sua incerteza, e a informação está incompleta sem este parâmetro. Mas, como nada é perfeito, pode-se, a depender do grau de confiança que se tenha na fonte da informação, atribuir como incerto o algarismo menos significativo. Por exemplo, se a informação vem do Gilii, eu assumo de olho fechado o algarismo menos significativo como incerto. Se vem de mim, pode usar os dois algarismos menos significativos. Se vem de um economista, todos os algarismos significativos são incertos
Completando o que o Gilii disse sobre as tolerâncias, em medidas que dependem de alguma variável ambiental, essa flutuação TEM de acompanhar a medida, sob pena de não ter informação nenhuma. Imagina aí a chapa do exemplo dilata termicamente de, sei lá, 0,002 mm/ºC. Bom, tomando 25ºC como temperatura em que foi feita a medida, vamos assumir uma flutuação de 100 ºC pra cima ou pra baixo como faixa de uso desse material. Isso vai dar uma diferença de 0,200 mm no comprimento da peça, dentro desta faixa de uso. Bom, o valor está dentro da incerteza da primeira medida, de 13,5 mm. Então o primeiro operador NÃO tem nada que informar a dilatação, aliás, não precisa nem tocar no assunto. Agora, se o terceiro camarada comprou a chapa pra mandar pro primo dele que vai usar, sei lá, num forno, tem de informar tanto a medida que ele obteve, de 13,625 ±0,005 mm, quanto o coeficiente de dilatação, que vai mudar em muito o que ele mediu, quanto a condição de temperatura na qual foi tomada a medida, dada a precisão que ele quis. Se não informar, vai continuar preciso, mas não vai estar exato!
Só que o cara vai ter de medir a temperatura então. E o termômetro tem lá sua incerteza também. Aí o cabra vai ter de relacionar as incertezas no comprimento e na temperatura, levando em consideração a forma como as duas grandezas de relacionam no caso em questão. O nome disso é propagação de incertezas, e é um assunto legal pra mais de metro! (Foi mal o trocadilho, mas não pude evitar...)